Colaborei na semana passada com o Notícias Magazine.
Partilho convosco o link e o artigo.
http://www.noticiasmagazine.pt/2017/o-feminismo-na-moda/
Na Semana da Moda de Nova Iorque, o estilista Prabal Gurung usou (e as suas modelos na passerelle também) t-shirts com mensagens feministas.
O feminismo está na moda
Setembro de 2016, Semana da Moda em Paris, desfiles primavera-verão: Maria Grazia Chiuri estreou-se na Dior como diretora criativa e essa foi também a primeira coleção que uma mulher alguma vez criou para a marca nos seus 70 anos de história. Houve tules, transparências, looks inspirados nos fatos unissexo da esgrima. A dada altura, o grito: uma camisola branca com a frase We Should All Be Feminists (Todos Devemos Ser Feministas). «Tenho uma filha e um filho, quero que tenham as mesmas oportunidades na vida», revelou a estilista italiana durante o evento, justificando assim a ousadia de exaltar o feminismo numa indústria machista como é a da moda. «Muita gente pensa já não ser necessário falar de igualdade, mas temos de fazê-lo porque neste momento nem todos a aceitam.» Aquela t-shirt virou tendência na hora.
25/04/2017
Texto de Ana Pago | Foto da Getty Images
Fevereiro deste ano, Semana da Moda de Milão, temporada de inverno 2017/18: Chiuri volta a passar a mensagem de luta inspirando-se na roupa fabril das mulheres na Segunda Guerra Mundial, graciosas e lutadoras. Contudo, é Miuccia Prada quem arrasa na defesa da causa feminista ao recriar um dormitório de mulheres com camas e rostos femininos, os quais também estampou em algumas saias e tops da coleção. «A moda é sobre o dia-a-dia e esse quotidiano é o palco das nossas liberdades, quer na vida privada quer na pública», disse aos jornalistas a designer, que desde os anos 1960 se bate pela questão da igualdade de género. «Neste desfile decidimos olhar para o papel das mulheres na formação da sociedade moderna, a sua participação política, as conquistas sociais.»
A moda está a pôr o tema nas passerelles e isso gera curiosidade, sede de saber e mudança de mentalidades. Os estilistas tiram partido do mediatismo para passar estas mensagens.
Decididamente, a moda tornou-se uma alavanca do feminismo, explica a stylist Sandrina Francisco, especialista em marketing de serviços de luxo. «Tal como a indústria da moda pegou no girl power e o transformou em ferramenta de marketing, também as mulheres viram na moda um modo de veicular a sua mensagem.» E foram muitas as marcas que se uniram ao movimento além da Dior, cujo slogan We Should All Be Feminists aludia a um discurso da escritora feminista nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie – que assistiu ao desfile com outras mulheres engajadas, como a cantora Rhianna, a ex-primeira-dama Carla Bruni ou a atriz Marion Cotillard. «A Gucci teve na plateia a ativista transgénero Hari Nef e a curadora feminista Petra Collins. A atriz e ativista Amandla Stenberg é musa do perfume da também feminista Stella McCartney», acrescenta Sandrina.
Ainda na Semana de Milão, a estilista Donatella Versace afirmava que a moda tem o dever de falar sobre o contexto em que está inserida: o perigo dos nacionalismos, a vitória de Donald Trump à presidência dos EUA, a marcha das mulheres em protesto após a cerimónia de posse. «Chegou o momento de retomar a luta», disse, enaltecendo a inclusão. Armani e Christian Dior apresentaram novas abordagens à feminilidade. A 13 de fevereiro, na Semana da Moda de Nova Iorque, o designer Prabal Gurung manifestou-se em t-shirts com as máximas The future is female (o futuro é feminino), This is what a feminist looks like (é esta a aparência de uma feminista), break down walls (derruba muros) ou girls just wanna have fun-damental rights (apelando à letra Girls Just Wanna Have Fun, de Cyndi Lauper, para dizer que as miúdas só pedem direitos básicos).
Na Semana da Moda de Nova Iorque, o estilista Prabal Gurung usou (e as suas modelos na passerelle também) t-shirts com mensagens feministas.
Foi assim até ao último dia da Semana de Moda em Paris a 7 de março, o culminar da temporada outono-inverno 2017/18: as grandes griffes mal falaram de outra coisa que não do empoderamento feminino. «A realidade está a mudar. O feminismo, antes visto apenas como algo do passado que acarretou grandes alterações para as mulheres, está hoje a ser discutido por mulheres e homens no mundo inteiro, com um olhar mais crítico e individual», aplaude Danyla Borobia, psicóloga e consultora de estilo em Miami, EUA. O facto de a moda estar a pôr o tema nas passerelles só vem gerar curiosidade, sede de saber e mudança de mentalidades. «Este novo feminismo está comprometido com o respeito. Entende os géneros como iguais, embora não descure as diferenças de cada um nem o alcance dos direitos e liberdades de escolha», diz à Notícias Magazine.
E não, a luta das mulheres pelos mesmos direitos não será novidade. Já ver tantos estilistas a erguer a voz em simultâneo, num mundo ainda dominado por eles, é digno de nota.
Muitos foram os momentos na história em que o feminismo funcionou como catalisador de mudanças. Logo em 1910, as mulheres aderiram aos vestidos soltos do francês Paul Poiret e libertaram o corpo dos espartilhos que as dominavam a todos os níveis sociais. Na Primeira Guerra Mundial, a comodidade impunha-se à estética: as working girls usavam calças e cabelo curto para agilizar o seu papel nas fábricas, rejeitando o anterior conceito de feminilidade. A partir de 1918, Coco Chanel revoluciona de vez a liberdade de movimentos ao incluir no guarda-roupa feminino calças, tailleurs, vestidos práticos para trabalho e lazer, sapatos de tacão baixo, bolsas a tiracolo e até bijutaria (dos poucos adornos que podiam comprar sem dependerem dos maridos).
Nas décadas de 1940 e 1950, o feminismo ganhou novo alento com intelectuais como Simone de Beauvoir. O biquíni ateava polémicas e tornava-se símbolo de emancipação (as fotos de Brigitte Bardot na praia de Cannes em 1953 fizeram furor). Marilyn Monroe democratizava os jeans e ousava com os seus decotes, abrindo caminho para que as minissaias da estilista inglesa Mary Quant desinibissem uma revolução sexual sem precedentes na década de 1960. Mais tarde popularizou-se o power dressing (com o livre acesso ao mundo laboral nos anos 1980), as transparências (apogeu da libertação do corpo em 2006) e a moda unissexo. Em 2014 Karl Lagerfeld, designer da Chanel, voltou a impulsionar o feminismo simulando um protesto em que modelos famosas – Gisele Bündchen, Gigi Hadid, Kendall Jenner e Cara Delevingne – surgiram com os slogans Ladies first (Senhoras primeiro) ou Be different (Seja diferente).
As mulheres passam por gravidezes, cuidam dos filhos. São apontadas como menos ativas a assumir riscos e não têm papéis dominantes. Sempre precisaram de coragem para romper paradigmas.
«Eu estudo tendências e uma delas é o female up rising em todos os setores de atividade a nível internacional», sublinha a consultora Sandrina Francisco, para quem as mulheres estão cada vez mais a preparar o salto para uma integração plena na sociedade. «Sentem que não precisam de pedir proteção. Que podem alcançar mais e têm em si o poder para fazê-lo.» Raquel Guimarães, diretora da Fashion School, no Porto, concorda: «Estão conscientes da sua polivalência e de como as suas competências podem ser um contributo ímpar nas várias esferas do quotidiano.» O reconhecimento do poder no feminino vem de todos os quadrantes, diz a formadora. A quem sugere que as marcas só se apropriam do feminismo para aumentar as vendas, responde que isso não a incomoda, desde que vá «dando força às consciências menos anímicas».
E não, a luta das mulheres pelos mesmos direitos não será novidade. Já ver tantos estilistas a erguer a voz em simultâneo, num mundo ainda dominado por eles, é digno de nota. «Associamos moda e mulheres, mas este é um pelouro masculino a vários níveis», realça Sandrina. Apesar de as turmas de moda serem maioritariamente compostas por alunas, existem mais diretores criativos e mais designers homens, que ocupam também a maioria dos cargos de topo das grandes marcas. «Leva-me a pensar que é mais difícil para as mulheres subirem na hierarquia», aponta a stylist. Elas passam por gravidezes, cuidam dos filhos. São apontadas como menos ativas a assumir riscos e não têm papéis dominantes. «Sempre precisámos de coragem para romper paradigmas. O que é certo é que eles não podem usar vestidos, mas nós podemos usar calças.»